terça-feira, 30 de outubro de 2012



O dilema da sereia
Ao contrário do que muita gente pensa, a sereia não é um ser solitário. Ela não se diverte em matar aqueles que a amam e nem sofre com sua condição de metade gente metade peixe.
Na verdade, ela sofre do mesmo problema das mulheres modernas: a incompreensão.
Afinal de contas, essas mulheres têm descoberto que no fundo elas são sereias. Não são as sereias que sofrem por serem metade peixe e metade mulher. As mulheres que sofrem por terem se esquecido de sua natureza aquática.
Mesmo porque o mar é a metáfora mais perfeita do inconsciente feminino: profundo, traiçoeiro, mas rico e belo. E é ele que alimenta o que está na superfície.
O mar na verdade, existe dentro da mulher, e quando ela se esqueceu de sua natureza, se esqueceu de seu mar, de sua fonte primeira, ela perdeu sua cauda, e se perdeu de si mesma.
Ela não é solitária, ela só não teme enfrentar o mar, e não precisa de ninguém para carrega-la nessa viagem. Por que os homens morrem? Simplesmente porque se perdem nesse mar.
Mas ainda há de haver aqueles que se arriscam a se aventurar nas profundezas do feminino. E pode ter certeza, ao retornarem, o que trazem são experiências maravilhosas e esse mar nunca mais os deixará.

domingo, 8 de julho de 2012



Não, pequena sereia, não saia do mar, não se desfaça de sua cauda.
No mar é melhor. Você é livre, pode ser você mesma, não há quem a diga aonde deve ir e o que fazer, a quem amar e a quem se entregar.
Vá, sereia menina, tome o seu mar para si e seja feliz nele.
Aqui em cima as coisas são muito diferentes.
As pernas nos prendem e nos dizem o tempo todo que devemos mantê-las bem fechadas, assim com nossas mentes.
Não, menina, não venha para cá, você será somente mais um peixe que desejarão fisgar, comer o rabo e jogar a cabeça fora.
Daqui olho o mar e vejo que ele é grande demais para você desejar deixá-lo.


Mãe Janaina, Rainha do Mar,
Amada Afrodite, Espuma Brilhante,
Danu, Mãe Amorosa.
Deusas do Mar, não permitam que a sereia deixe o seu mundo e se perca no mundo que não é seu.
E se possível, Mãe Azul, Mãe Vermelha, Mãe Rosa, leve-me de volta. Deixe-me  banhar novamente no seu mar e me lembrar de onde vim e quem sou.
Um dia deixei essa terra-água e me perdi aqui em cima, na terra dos homens.
Mas, Mãe Profunda, eu não sou daqui.


Debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido...
Mas tinha que respirar!


Agora eu sinto saudades... do mar!

 
 

terça-feira, 3 de julho de 2012


A COBRA

E afinal de contas, a culpa do pecado foi de quem? Da serpente, que tentou Eva? De Eva, que mordeu a maçã e a ofereceu a Adão? Ou de Adão, que sucumbiu à tentação e também comeu do fruto proibido?
Se voltarmos um pouquinho atrás. Bom, pensando bem, não é tão pouquinho assim. Então, voltemos beeeeeem atrás, quando nossos antepassados não conheciam o conceito de pecado, nem sequer de Diabo. Quando o homem vivia da terra e pertencia a ela. Quando a mulher era sagrada e o homem via nela a porta para a eternidade.
Deus deveria, nesse contexto, ser mulher uma. Não havia, para eles, outra explicação. Da mulher, nascia a promessa de manutenção da tribo e da espécie.
Então, tanto o corpo da mulher (seios, vulva) era sagrado, quanto o ato sexual, que era o responsável pelo nascimento de uma nova criança.
A cobra surgiu neste contexto, como mais um dos inúmeros símbolos relacionados à mulher e à Deusa. Este animal misterioso, que ao mesmo tempo demonstra um grande poder de regeneração, quando muda sua pele, também mostra um grande poder de matar.
Inevitável foi a comparação. E a mulher começou a ser representada como a serpente sagrada. Duas deusas que demonstram perfeitamente essa primeira correlação foram Asherah e Lilith. Ambas tinham entre seus símbolos a cobra.
Asherah era esposa de Javé. Mesmo antes de haver qualquer código ou livro sagrado escrito, quando os cananeus ainda se lembravam da sacralidade da terra e da mulher, Asherah era a grande mãe da terra, a senhora de tudo. Ela era a responsável por criar tudo o que existia e a cobra aparece em todas as suas representações. Ela era adorada aos pés de uma árvore (há quem diga que fosse uma macieira) no topo de uma montanha.
Lilith veio depois e era a primeira esposa de Adão. Isso mesmo, esposa de Adão, mesmo antes de Javé criar Eva de sua costela. Aliás, Javé criou Eva em compaixão a Adão, que como ele, também perdeu sua esposa.
Lilith revoltou-se contra Adão, que queria subjuga-la, e fugiu, reivindicando sua liberdade, sua soberania e sua sexualidade sagrada. Ela também era representada por uma serpente.
Ainda outros ícones podem ser citados, demonstrando a importância simbólica desse animal sagrado.
Os desenhos egípcios que chegaram até nós representam de forma reincidente grandes faraós, deuses e deusas portando sobre sua fronte uma cobra naja, pronta para dar o bote. Ela era chamada de uraeus, um símbolo de eternidade, renascimento.
Quem não se recorda também do famoso Ouroboros grego: uma cobra mordendo o próprio rabo – símbolo de eternidade.
E ainda para ilustrar mais um pouco, lembro-lhes também a nossa kundalini. Segundo os hindus, existe uma força imensa adormecida dentro de todos nós, na região do períneo, entre o órgão genital e o ânus, mais especificamente em um ponto chamado muladhara. Este ponto não é responsável somente por nossa libido, mas também por nos manter vivos e de onde nasce nossa coragem e força de vontade.
De acordo com essa filosofia, a kundalini estaria enrolada em nosso muladhara, assim como uma serpente adormecida, e somente por meio de um desenvolvimento espiritual muito grande, ela despertaria e subiria por toda a coluna vertebral da pessoa, levando à iluminação e à capacidade de utilizar todas as suas faculdades.
Mas porque ela adormeceu? O que aconteceu com a sacralidade desse símbolo?
Em dado momento da humanidade, o homem subjugou a mulher e disse à ela que sua sacralidade não mais existia. Ele a convenceu de que ela era inferior, impura e deveria se submeter a seus desígnios. E então, esse mesmo homem, passou a acreditar que tudo que nascia não mais viria do útero fértil de uma grande Deusa, mas da mente de um Deus sisudo e solitário. E então, a partir daí, também o sexo passou a ser impuro, sujo, pois não mais dele surgia a vida. A mulher era apenas um instrumento desse Deus supremo, vingativo e sectário.
E a serpente?
A serpente fugiu, como Lilith, e passou a ser vista como um demônio, que deveria ser perseguido e exterminado. Foi humilhada e pisada, assim como aquela que aparece sob os pés de Maria. Maria que por sinal não é uma Deusa, mas uma mulher, que possuída pelo Espírito Santo, engravidou em nome de Deus, sendo ainda virgem, sem ter tido o direito do amor e do sexo, e sem poder assumir o poder que tem de ser a verdadeira fonte da vida.
Ou desapareceu, foi esquecida, como Asherah, que nunca mais foi lembrada por aqueles que passaram a adorar Javé.
Ou então, ela adormeceu, e assim permanece em todos nós. Adormeceu exatamente naquele lugar em nós que mais pulsa, que mais nos impele a viver e a conquistar: o nosso sexo. E ela permanecerá ali, adormecida, nos privando de exercermos o máximo de nossa capacidade, a não ser que possamos nos libertar do jugo patriarcal do pecado, e aceitar nossa sexualidade, nosso prazer, nosso corpo, nossa carne.
Então, a culpa do pecado foi de quem? Da serpente?

Da serpente do falo, que tem medo da serpente que há na mulher.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Eu sou Parvati, mas também sou Kali.
Sou Inanna, e sou Ereshkigal.
Sou Bast, e posso me tornar Sekmet.
Sou noite e dia,
Amor e ódio.
Sou o início e o fim,
a paz e o desespero.
Posso criar e posso destruir,
Posso amar e odiar.
Sou tudo isso e mais,
e sou simplesmente eu.
Quer me conhecer?
Olhe para o céu do ocaso...
Sou o casamento do Sol e da Lua,
Filha do céu e da terra.
Eu não tenho nada
E não penso nada.
Eu simplesmente sou!!!!!!!!!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


Trecho do livro Mulheres que correm com Lobos - Clarissa Pinkola Éstes

"Todas nós temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas."

"Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Tem experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem."

"As questões da alma feminina não podem ser tratadas tentando-se esculpi-la de uma forma mais adequada a uma cultura inconsciente, nem é possível dobrá-la até que tenha um formato intelectual mais aceitável para aqueles que alegam ser os únicos detentores do consciente. "

"Não importa a cultura pela qual a mulher seja influenciada, ela compreende as palavras mulher e selvagem intuitivamente.
Quando as mulheres ouvem essas palavras, uma lembrança muito antiga é acionada, voltando a ter vida. Trata-se da lembrança do nosso parentesco absoluto, inegável e irrevogável com o feminino selvagem, um relacionamento que pode ter se tornado espectral pela negligência, que pode ter sido soterrado pelo excesso de domesticação, proscrito pela cultura que nos cerca ou simplesmente não ser mais compreendido. Podemos ter-nos esquecido do seu nome, podemos não atender quando ela chama o nosso; mas na nossa medula nós a conhecemos e sentimos sua falta. Sabemos que ela nos pertence; bem como nós a ela."
"O anseio pela mulher selvagem surge quando nos encontramos por acaso com alguém que manteve esse relacionamento selvagem. Ele brota quando percebemos que dedicamos pouquíssimo tempo à fogueira mística ou ao desejo de sonhar, um tempo ínfimo à nossa própria vida criativa, ao trabalho da nossa vida ou aos nossos verdadeiros amores."

"Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma intuitiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos interior e exterior. Quando as mulheres estão com a Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento transparece nelas. Não importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora selvagem dá sustentação às suas vidas interior e exterior."

"De que maneira a Mulher Selvagem afeta as mulheres? Tendo a Mulher Selvagem como aliada, como líder, modelo, mestra, passamos a ver, não com dois olhos, mas com a intuição, que dispõe de muitos olhos. Quando afirmamos a intuição, somos, portanto, como a noite estrelada: fitamos o mundo com milhares de olhos."

"0 arquétipo da Mulher Selvagem, bem como tudo o que está por trás dele, é o benfeitor de todas as pintoras, escritoras, escultoras, dançarinas, pensadoras, rezadeiras, de todas as que procuram e as que encontram, pois elas todas se dedicam a inventar, e essa é a principal ocupação da Mulher Selvagem. Como toda arte, ela é visceral, não cerebral. Ela sabe rastrear e correr, convocar e repelir. Ela sabe sentir, disfarçar e amar profundamente. Ela é intuitiva, típica e normativa. Ela é totalmente essencial à saúde mental e espiritual da mulher."

"E então, o que é a Mulher Selvagem? Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como pela tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é mais do que isso. Ela é a origem do feminino. Ela é tudo o que for instintivo, tanto do mundo visível quanto do oculto - ela é a base. Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para a nossa vida.
Ela é a força da vida-morte-vida; é a incubadora. É a intuição, a vidência, é a que escuta com atenção e tem o coração leal. Ela estimula os humanos a continuarem a ser multilíngües: fluentes no linguajar dos sonhos, da paixão, da poesia. Ela sussurra em sonhos noturnos; ela deixa em seu rastro no terreno da alma da mulher um pêlo grosseiro e pegadas lamacentas. Esses sinais enchem as mulheres de vontade de encontrá-la, libertá-la e amá-la.
Ela é idéias, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou perdida e esquecida por muito, muito tempo. Ela é a fonte, a luz, a noite, a treva e o amanhecer. Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa. Os pássaros que nos contam segredos pertencem a ela. Ela é a voz que diz, "Por aqui, por aqui".
Ela é quem se enfurece diante da injustiça. Ela e a que gira como uma roda enorme. É a criadora dos ciclos. É à procura dela que saímos de casa. É à procura dela que voltamos para casa. Ela é a raiz estrumada de todas as mulheres. Ela é tudo que nos mantém vivas quando achamos que chegamos ao fim. Ela é a geradora de acordos e idéias pequenas e incipientes. Ela é a mente que nos concebe; nós somos os seus Pensamentos."

"Se as mulheres querem que os homens as conheçam, que eles realmente as conheçam, elas têm de lhes ensinar algo do seu conhecimento profundo. Algumas mulheres dizem que estão cansadas, que já se esforçaram demais nessa área. Sugiro humildemente que elas estiveram tentando ensinar um homem sem vontade de aprender. A maioria dos homens quer saber, quer aprender. Quando os homens demonstram essa disposição, é a hora de fazer revelações; não apenas a esmo, mas porque mais uma alma perguntou. "

"0 companheiro certo para a Mulher Selvagem é aquele que tem uma profunda tenacidade e resistência de alma, aquele que sabe mandar sua própria natureza instintiva ir espiar por baixo da cabana da alma de uma mulher e compreender o que vir e ouvir por lá. O bom partido é o homem que insiste em voltar para tentar entender, é o que não se deixa dissuadir."

"Portanto, a tarefa primitiva do homem consiste em descobrir os nomes verdadeiros da mulher, não em usar indevidamente esse conhecimento para ganhar controle sobre ela, mas, sim, para captar e compreender a substância luminosa de que ela é feita, para deixar que ela o inunde, o surpreenda, o espante e até mesmo o assuste. Também para ficar com ela. Para entoar seus nomes para ela. Com isso os olhos dela brilharão. E os dele também."

"É bom ter muitas personas, colecioná-las, costurar algumas, recolhê-las à medida que avançamos na vida. Quando vamos envelhecendo cada vez mais, com uma coleção dessas à nossa disposição, descobrimos que podemos ser qualquer coisa, a qualquer hora que desejemos."