segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As Fogueiras de Beltane

Já conheço este vento. Já sei o que ele traz. Fecho os olhos, ainda ansiosa. Respiro profundamente, tentando espantar o medo... Todo ano é sempre a primeira vez.
Uma pequena serpente se aproxima, trazendo sua bênção. A Lua descansa por trás de uma nuvem. Toda a floresta está em respeitoso silêncio. Ouço apenas o murmúrio do fogo à minha frente e acompanho a dança suave das labaredas. E ao redor, mais afastadas, vejo brilharem as outras fogueiras. Não estou só.
Logo escuto o som de sua chegada, os cascos de seu cavalo pelo chão da floresta. Um arrepio me percorre o corpo sob o vestido, como um prenúncio do que virá... Estou pronta para o ritual.
Imponente, enfim ele surge entre os carvalhos, o porte altivo de cavaleiro. Aproxima-se em passo lento. Não vejo seu rosto mas sei que está compenetrado pois é um iniciado e sabe a importância do que fará.
A Lua então comparece, deitando seu manto prateado sobre a relva, e sua presença me fortalece. Ele desce do cavalo e caminha em minha direção, o passo pesado de homem, a espada cruzada sobre suas costas.
Nesse momento o vento lhe dá as boas vindas e o fogo crepita seu nome. Ele pára diante de mim. É mais jovem do que eu esperava. E é tão belo... Ele põe-se de joelho, reverente. Toco sua fronte e através de mim a Grande Mãe abençoa o cavaleiro, permitindo que ele participe dos mistérios dessa noite. Eu vim, filha da Deusa..., ele pronuncia as palavras do ritual mas percebo que está nervoso, talvez seja sua primeira vez. Ergo-o e falo docemente para seus olhos: Desde o início dos tempos eu te esperei...
As labaredas crescem quando nos damos as mãos e saudamos a Deusa, agradecendo a dádiva de sermos instrumentos de sua vontade. Ofereço-lhe morangos e cerejas e entoamos baixinho a cantiga que fala da Terra fecunda. Em nossos corpos se celebrará mais uma estação, o mistério da vida que se renova. 

Chamo-o para perto do fogo. Ponho-me de pé à sua frente. Ele faz cair meu vestido, que desliza suave sobre meu corpo até o chão. Nua e entregue, sinto a presença divina e fecho os olhos para recebê-la. Então mais uma vez o milagre acontece: sou tomada pelo mistério de ser a própria Deusa sem deixar de ser sua serva. E sei que é assim que agora ele me vê, a mistura inexplicável, mãe e filha num só corpo.
As mãos do cavaleiro me tocam os cabelos como se pedissem licença. Depois emolduram meu rosto e assim ficam, como se me quisessem guardar no quadro da memória. Sinto sua boca em meus seios, eu árvore generosa, carregada de frutos maduros para sua fome. Sou posta no chão por seus braços fortes, eu cálice e oferenda, deitada no altar da relva macia. Vem, meu cavaleiro... 

Muitos são os mistérios que habitam a alma feminina, tantos quanto as estrelas do firmamento. E poucos os homens que ousam percorrê-los. Porque instintivamente sabem que se perderão, não compreenderão. Mas meu cavaleiro já consagrou sua vida à Deusa e é ela quem lhe permite conhecê-la mais de perto, sentir seu aroma, tocar-lhe a fenda que protege a gruta da vida e da morte, afastar as cortinas do santuário e unir-se a ela em carne e espírito...
Percebo que ele vacila, extasiado, atingido em cheio pela imagem do mistério. Então, pela autoridade a mim atribuída, puxo-o com força e meu grito acende de vez a fogueira dentro do meu corpo. O cavaleiro me abraça e me envolve e nossos suores e salivas se misturam e já não sei mais o que é ele e o que sou eu. É a alquimia sagrada que transmuta a matéria, que faz de um mais um, três.
Ele percorre meu interior como a ávida planta que fuça a terra. E eu, terra fértil, recebo sua raiz e me deixo preencher. Ele serpenteia por dentro do meu corpo como o alegre rio que dança sobre a terra. E eu, terra sedenta, recebo sua água e me deixo inundar.
Luas, muitas luas... Estrelas, milhões delas luzindo pelo meu ser... Assim encima como embaixo... Sou a noiva do casamento sagrado entre a Terra e o Céu...
Lentamente o corpo do cavaleiro se separa do meu. Ele me dá um último beijo e adormece abraçado a mim, criança bela e pura. Ao amanhecer ele irá e eu recolherei o orvalho das flores, saudando a primavera e agradecendo pela boa colheita que teremos.
O fogo ainda queima, protegendo nossos corpos do frio da madrugada. Abençoada e feliz, agradeço à Deusa a honra de servi-la. E me uno ao belo cavaleiro no descanso sagrado dos filhos da Terra.

Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora em São Paulo, Terra, 3a. Pedra do Sol - www.ricardokelmer.net - kelmerparamulheres.blogspot.com

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Eu sou uma bruxa básica


Eu sou uma bruxa básica,
faço magias do dia a dia.
Gosto de fazer travessuras,
o meu lema é espalhar a alegria.

Pego a vassoura encantada
e saio varrendo as tristezas,
queimo tudo no caldeirão
e vou apreciar, da vida, as belezas.

Como toda boa bruxa,
eu adoro a natureza.
O verde, as flores e o azul do céu.
Com fitas em tons de violeta
eu adorno o meu chapéu.

Meus encantos e sortilégios
são feitos com amor e paz,
têm o pó mágico da esperança,
quebre este encanto se for capaz!

Tenho muitas irmãs e irmãos.
Eu sou parte do universo.
Saúdo a todo os bruxos
nas linhas deste meu verso.

Bruxas e bruxos de todos os tempos,
Convoco-os ao círculo das mãos.
Vamos orar pelo planeta,
pedindo a paz, o amor e a união!

(Lahyane Rangel)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Eu era a Eva
Criada para a felicidade de Adão
Mais tarde fui Maria
Dando à luz aquele
Que traria a salvação
Mas isso não bastaria
Para eu encontrar perdão.
Passei a ser Amélia
A mulher de verdade
Para a sociedade
Não tinha a menor vaidade
Mas sonhava com a igualdade.
Muito tempo depois decidi:
Não dá mais!
Quero minha dignidade
Tenho meus ideais!
Hoje não sou só esposa ou filha
Sou pai, mãe, arrimo de família
Sou caminhoneira, taxista,
Piloto de avião, policial feminina,
Operária em construção....
Ao mundo peço licença
Para atuar onde quiser
Meu sobrenome é COMPETÊNCIA
E meu nome é MULHER..!!!!