domingo, 8 de julho de 2012



Não, pequena sereia, não saia do mar, não se desfaça de sua cauda.
No mar é melhor. Você é livre, pode ser você mesma, não há quem a diga aonde deve ir e o que fazer, a quem amar e a quem se entregar.
Vá, sereia menina, tome o seu mar para si e seja feliz nele.
Aqui em cima as coisas são muito diferentes.
As pernas nos prendem e nos dizem o tempo todo que devemos mantê-las bem fechadas, assim com nossas mentes.
Não, menina, não venha para cá, você será somente mais um peixe que desejarão fisgar, comer o rabo e jogar a cabeça fora.
Daqui olho o mar e vejo que ele é grande demais para você desejar deixá-lo.


Mãe Janaina, Rainha do Mar,
Amada Afrodite, Espuma Brilhante,
Danu, Mãe Amorosa.
Deusas do Mar, não permitam que a sereia deixe o seu mundo e se perca no mundo que não é seu.
E se possível, Mãe Azul, Mãe Vermelha, Mãe Rosa, leve-me de volta. Deixe-me  banhar novamente no seu mar e me lembrar de onde vim e quem sou.
Um dia deixei essa terra-água e me perdi aqui em cima, na terra dos homens.
Mas, Mãe Profunda, eu não sou daqui.


Debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido...
Mas tinha que respirar!


Agora eu sinto saudades... do mar!

 
 

terça-feira, 3 de julho de 2012


A COBRA

E afinal de contas, a culpa do pecado foi de quem? Da serpente, que tentou Eva? De Eva, que mordeu a maçã e a ofereceu a Adão? Ou de Adão, que sucumbiu à tentação e também comeu do fruto proibido?
Se voltarmos um pouquinho atrás. Bom, pensando bem, não é tão pouquinho assim. Então, voltemos beeeeeem atrás, quando nossos antepassados não conheciam o conceito de pecado, nem sequer de Diabo. Quando o homem vivia da terra e pertencia a ela. Quando a mulher era sagrada e o homem via nela a porta para a eternidade.
Deus deveria, nesse contexto, ser mulher uma. Não havia, para eles, outra explicação. Da mulher, nascia a promessa de manutenção da tribo e da espécie.
Então, tanto o corpo da mulher (seios, vulva) era sagrado, quanto o ato sexual, que era o responsável pelo nascimento de uma nova criança.
A cobra surgiu neste contexto, como mais um dos inúmeros símbolos relacionados à mulher e à Deusa. Este animal misterioso, que ao mesmo tempo demonstra um grande poder de regeneração, quando muda sua pele, também mostra um grande poder de matar.
Inevitável foi a comparação. E a mulher começou a ser representada como a serpente sagrada. Duas deusas que demonstram perfeitamente essa primeira correlação foram Asherah e Lilith. Ambas tinham entre seus símbolos a cobra.
Asherah era esposa de Javé. Mesmo antes de haver qualquer código ou livro sagrado escrito, quando os cananeus ainda se lembravam da sacralidade da terra e da mulher, Asherah era a grande mãe da terra, a senhora de tudo. Ela era a responsável por criar tudo o que existia e a cobra aparece em todas as suas representações. Ela era adorada aos pés de uma árvore (há quem diga que fosse uma macieira) no topo de uma montanha.
Lilith veio depois e era a primeira esposa de Adão. Isso mesmo, esposa de Adão, mesmo antes de Javé criar Eva de sua costela. Aliás, Javé criou Eva em compaixão a Adão, que como ele, também perdeu sua esposa.
Lilith revoltou-se contra Adão, que queria subjuga-la, e fugiu, reivindicando sua liberdade, sua soberania e sua sexualidade sagrada. Ela também era representada por uma serpente.
Ainda outros ícones podem ser citados, demonstrando a importância simbólica desse animal sagrado.
Os desenhos egípcios que chegaram até nós representam de forma reincidente grandes faraós, deuses e deusas portando sobre sua fronte uma cobra naja, pronta para dar o bote. Ela era chamada de uraeus, um símbolo de eternidade, renascimento.
Quem não se recorda também do famoso Ouroboros grego: uma cobra mordendo o próprio rabo – símbolo de eternidade.
E ainda para ilustrar mais um pouco, lembro-lhes também a nossa kundalini. Segundo os hindus, existe uma força imensa adormecida dentro de todos nós, na região do períneo, entre o órgão genital e o ânus, mais especificamente em um ponto chamado muladhara. Este ponto não é responsável somente por nossa libido, mas também por nos manter vivos e de onde nasce nossa coragem e força de vontade.
De acordo com essa filosofia, a kundalini estaria enrolada em nosso muladhara, assim como uma serpente adormecida, e somente por meio de um desenvolvimento espiritual muito grande, ela despertaria e subiria por toda a coluna vertebral da pessoa, levando à iluminação e à capacidade de utilizar todas as suas faculdades.
Mas porque ela adormeceu? O que aconteceu com a sacralidade desse símbolo?
Em dado momento da humanidade, o homem subjugou a mulher e disse à ela que sua sacralidade não mais existia. Ele a convenceu de que ela era inferior, impura e deveria se submeter a seus desígnios. E então, esse mesmo homem, passou a acreditar que tudo que nascia não mais viria do útero fértil de uma grande Deusa, mas da mente de um Deus sisudo e solitário. E então, a partir daí, também o sexo passou a ser impuro, sujo, pois não mais dele surgia a vida. A mulher era apenas um instrumento desse Deus supremo, vingativo e sectário.
E a serpente?
A serpente fugiu, como Lilith, e passou a ser vista como um demônio, que deveria ser perseguido e exterminado. Foi humilhada e pisada, assim como aquela que aparece sob os pés de Maria. Maria que por sinal não é uma Deusa, mas uma mulher, que possuída pelo Espírito Santo, engravidou em nome de Deus, sendo ainda virgem, sem ter tido o direito do amor e do sexo, e sem poder assumir o poder que tem de ser a verdadeira fonte da vida.
Ou desapareceu, foi esquecida, como Asherah, que nunca mais foi lembrada por aqueles que passaram a adorar Javé.
Ou então, ela adormeceu, e assim permanece em todos nós. Adormeceu exatamente naquele lugar em nós que mais pulsa, que mais nos impele a viver e a conquistar: o nosso sexo. E ela permanecerá ali, adormecida, nos privando de exercermos o máximo de nossa capacidade, a não ser que possamos nos libertar do jugo patriarcal do pecado, e aceitar nossa sexualidade, nosso prazer, nosso corpo, nossa carne.
Então, a culpa do pecado foi de quem? Da serpente?

Da serpente do falo, que tem medo da serpente que há na mulher.